Em liberdade, líder da Igreja da Cannabis retoma luta pela “fé na cannabis”.

Depois de cumprir 6 anos e 7 meses de prisão por tráfico de drogas, rastafári Ras Geraldinho tenta reerguer “culto” em Americana (SP).

Na manhã de 20 de Maio de 2019, em Americana (SP), um homem de 60 anos, magro, cabelos grisalhos e cavanhaque, abre o portão metálico com as cores do movimento Rastafári – vermelho, ouro e verde, com a estrela de Davi ao centro. Ao entrar no templo de 1.050 metros quadrados, avista-se a placa: “Primeira Igreja Niubingui Etiope Coptic de Sião, a primeira Igreja da Cannabis brasileira, fundada em 2006.

“O termo ‘igreja’ é simplesmente uma referência à sociedade, ao local religioso”, diz Geraldo Antônio Baptista, mais conhecido como Ras Geraldinho, fundador do templo.
Ras Geraldinho acompanha a reportagem pelo que ele chama de Sião, no fundo do terreno. No caminho, diversos tipos de árvores, mamoeiros repletos de frutos, muito mato a ser retirado, galinhas, pintinhos, “um lugar em que se respira a natureza”.
O local onde estavam plantados os 24 pés de cannabis apreendidos na operação da Guarda Municipal de Americana (Gama) que resultou em sua prisão, em 2012, segue de terra batida. “O motivo da minha prisão foi uma perseguição política, sou um preso ideológico”, alega o líder rastafári.
Após sofrer três processos, acabou condenado a 22 anos de prisão em duas ações por tráfico de drogas e absolvido no terceiro, no qual fora acusado de curandeirismo pelo Ministério Público.
Hoje, encontra-se em regime aberto.”Tenho três anos e meio ainda em regime aberto, não podendo sair de Americana e tendo que estar em casa ás 22h”, conta.

Sincretismo

Na mesa onde acontece o ritual, que ele prefere chamar de “arrazoamento”, em referência ao Velho Testamento, sentamo-nos para a entrevista. Ras Geraldinho esteve preso por 6 anos e 7 meses. Cumpre o resto da pena em regime aberto desde o último dia 14 de abril.
“Quando cheguei da prisão, o mato estava em mais de um metro de altura, todo o local da frente da casa tomado de aranha e de tudo quanto era bicho que você possa imaginar”.
Ele diz que estava sentindo um pouco de mania de perseguição: “Depois de passar quase sete anos trancado numa caixa de concreto, é duro manter a sanidade”.
Atrás da mesa, o altar. Imagens de um preto velho fumando cachimbo (segundo ele, representa o espírito africano); um Buda, o espírito oriental; Ganesha, o hinduísmo; a Bíblia, o cristianismo; e pirâmides representando a antiga religião egípcia.
Conchas representando o mundo marinho, cristais representando o mundo mineral. Ladeando o altar, há duas colunas em dourado representando a maçonaria. Acima, a bandeira do leão alado, representando o apóstolo Marcos, fundador da primeira igreja copta do mundo – a igreja de Alexandria. “Os três reis magos eram coptas e a maior parte das figuras que se relacionaram com Jesus Cristo era copta”, diz.
Ras Geraldinho alega que não prega a doutrina da Fé Etíope Coptic de Sião, um povoado Rastafári no interior da Jamaica: “Essa fé encontra-se dentro de nós, foi assim que compreendi e fui iluminado, apenas isso”.

Breve incursão na política

Jornalista autodidata, trabalhou como editor de imagem na Rede Globo em Washington, de 1985 a 1991. De volta ao Brasil, trabalhou com marketing em diversas campanhas políticas do PT e do PSDB no interior paulista, até que, em 2010, decidiu promover a primeira Marcha da Maconha em Americana.
Filiado ao PT, tentou em 2010 ser candidato a deputado federal com as bandeiras do ambientalismo e da legalização da cannabis, mas acabou ficando fora da disputa. “Nessa caminhada política, acabei criando inimigos poderosos”, alega.
Em 2012, tentou se candidatar a vereador. Participou de reuniões de bairro e de oficinas, fez o rito necessário para chegar ao final como candidato, mas no dia da inscrição de sua candidatura foi mais uma vez descartado pelo partido.

“Como ayahuasca”

Uma semana depois, a Gama fez uma operação de buscas apreensão, alegadamente sem mandado judicial, na igreja rasta, e Ras Geraldinho acabou preso.
Digo a ele que em uma das linhas do processo consta que a Ata da igreja é apócrifa, falsa… . “Isso é o que o juiz acha, a compreensão é dele. Como pode a ata ser apócrifa se ela foi registrada no cartório de Americana e aceita, com endereço, CNPJ e alvará da prefeitura?”
Ele ainda afirma, citando a Constituição, que o direito religioso previsto é superior à lei infraconstitucional. “É o direito inerente ao ser humano. Nossa defesa se embasa na jurisprudência no Santo Daime, que usa o chá de ayahuasca”, explica.
O direito de uso em rituais religiosos para o Santo Daime, foi protocolado pelo Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad) em 2004.
Ele sustenta que o uso da cannabis ainda não foi registrado, mas que não consta a sua proibição explícita nem na Constituição nem nas listas atualizadas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “O único vislumbre da legalidade do meu processo é uma alusão sobre as drogas comumente proibidas num tratado internacional, engavetado, de 1962”, diz. A agência avalia a possibilidade de plantio da cannabis para uso medicinal e de bem-estar.
“Com base nesse reconhecimento, tenho direito legal de ser atendido com o mesmo tratamento do Santo Daime, porque na Constituição está dizendo que todo brasileiro tem de ser tratado igualmente pela lei”, argumenta Ras Geraldinho.

Fonte: Hempadao

Compartilhar