A dona de casa Gizele Thame, 61 anos, precisou enfrentar o preconceito próprio e o da família quando decidiu tratar um tumor no cérebro usando óleo à base de cannabis. “Eu tenho um tumor ao lado da hipófise, responsável pelos hormônios do corpo. Sem operar ou sem tratamento o tumor poderia crescer até estourar”.
“Como estava perto do nervo óptico, eu poderia ficar cega e dependeria de 21 remédios após a cirurgia. Preferi não operar, contra tudo e contra todos. Só um filho meu me apoiou”, conta Gizele, que também resistiu a se tratar com o óleo de cannabis.
“Eu tinha um preconceito muito grande. Para mim não havia diferença entre cannabis e cocaína. Pensava que quem usa é drogado. Demorei oito meses até aceitar, me informar, conseguir médico e autorização da Anvisa”.
Sem dinheiro para importar o remédio, Gizele decidiu plantar em casa por conta e, com os exames em punho, foi a Justiça acompanhada de um advogado a fim de conseguir um habeas corpus. Mesmo assim, eu poderia ser detida até conseguir o habeas corpus definitivo.”
O documento chegou oito meses depois. “Ninguém pode me prender agora porque eu posso plantar 30 pés, mas apenas cinco em floração. Também posso portar até 180 ml do óleo.”
Vencendo o preconceito
Gizele demorou oito meses para aceitar o tratamento e ainda mais tempo para contar aos amigos e familiares. “No começo eu não falava para ninguém, era segredo. Aos poucos fui contando aos mais próximos. Uma grande amiga me disse que, se não gostasse tanto de mim, não aceitaria meu tratamento.”
“Eu achava que não contar era me poupar, mas percebi que, se me expusesse, ajudaria muita gente. Meu preconceito era forte, por isso eu entendo quem não aprova. Eu precisei de um tumor na cabeça para enfrentar o preconceito. Eu ainda sou contra fumar cannabis: é fumaça para o pulmão, faz mal à saúde.”
Gizele conta que a planta demora quatro meses para crescer e florescer. Ela colhe, deixa a planta secando de ponta cabeça por uma semana e então extrai o óleo.
“Limpa, põe no forno para ficar bem seca. Aí põe em uma sacola com gelo seco, que serve de peneira. Eu misturo em um diluente a parte que cai peneirada. Depois coloco em uma panela e deixo cozinhando por quatro horas. Esse óleo é o que eu uso.”
Gizele afirma que, em dois meses de uso, os sintomas eram outros. “A insônia e o estresse acabaram e a qualidade do sono é excelente”, diz. E o que parecia impossível, aconteceu: “Depois de um ano e meio, o tumor regrediu de 1,2 centímetros para 0,7 e se mantém assim há um ano e meio.”
Justiça autoriza 4 a cada 5 pedidos para plantar
A decisão de ontem da Anvisa pode facilitar a importação do remédio ou mesmo regulamentar a fabricação em solo nacional. Hoje há 14 mil pedidos em andamento na Anvisa para importar o medicamento, com 12,5 mil solicitações já aprovadas.
Cerca de 56% dos pacientes que já tiveram acesso ao medicamento pediram autorização de renovação, uma vez que o aval dado pela agência vence em 12 meses em um processo que dura, em média, três meses.
Entre novembro de 2016 e novembro deste ano, o judiciário contabilizou 64 pedidos de habeas corpus e 51 concessões, 16 apenas em São Paulo.
Advogado e membro efetivo da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP, Leonardo Sobral Navarro diz que “as demandas judiciais ganharam força e acabam sendo o meio mais rápido para iniciar o tratamento”, ainda caro. “Existe apenas um produto registrado no Brasil, o 01 Metavyl, que custa aproximadamente R$ 2.800.”
Ele diz que “será inevitável o aumento desse tipo de demanda” com a popularização do tema. “O Estado não pode mais ficar inerte. A cannabis medicinal é uma realidade e precisa ser regulada”, defende. “Hoje, resta ao doente demandar contra o Estado para que tenha o fornecimento do remédio ou para que realize o cultivo medicinal”.
Fonte: Uol Notícias